por Rafael Gofer

Se o futuro a olhos nus pudesse ser visto

Faltam oportunidades educacionais para quem atua no serviço de limpeza a partir de empresas terceirizadas na Universidade Federal de Goiás

      O horizonte não é visível para todas as pessoas. O sonhado lugar ao sol, ou melhor, à sombra, numa tarde tranquila de domingo pode ser simplesmente inatingível. Aprendemos desde cedo, ponderando singularidades geográficas e de acesso, que a educação é um bem que não se tira. Que a educação transforma e profetiza lugares, acessos e materialidades de dignidade, que muitas vezes foram negadas, a estas e estes mais velhos, que esta máxima popular oralizaram.

      Em um país continental com desigualdades sociais globais, como é o caso do Brasil, o acesso a determinadas oportunidades educacionais, para uma grande parcela da população, é simplesmente limitado. Distante, se consideramos que determinados lugares de pertencimento e dignidade – assim como as ferramentas de acesso para tal – é negligenciado pelo Estado, que talvez sem uma lupa não seja capaz de enxergar essas pessoas historicamente e de forma recorrente, por ele mesmo, invisibilizadas.

      A terceirização no serviço público reflete e escancara as desigualdades. E o projeto de desmonte das universidades com a aprovação da reforma administrativa (PEC 32/2000) pode aumentar, a longo prazo, a quantidade de terceirizados no serviço público e nas universidades. Retirando os direitos conquistados por meio dos estudos de servidores públicos como a estabilidade, e abrindo para pregão e licitação o leque de possibilidades de grandes empresas (muitas inclusive ligadas a famílias políticas) para oferecer seus serviços terceirizados com trabalhadoras e trabalhadores precarizados.

Terceirização

     Contratação de serviços por meio de empresa que faz a intermediação entre o tomador de serviços e a mão-de-obra. Presente em diversas instituições públicas e privadas. É a contratação de empresas para a realização de determinados trabalhos, em sua maioria, subalternizados que subcontratam pessoas para a execução do contrato. 

    É a prestação de serviços em regime temporário prestado por pessoa física contratada para a empresa contratada pela instituição chamada tomadora de serviços. O objetivo é atender à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços. Na origem da palavra significa externalização e na prática permite que uma empresa privada ou do governo transfira uma ou outra de suas atividades. 

    O conceito de terceirização teve suas origens na Segunda Guerra Mundial, quando empresas concentraram as atividades que consideravam principais, e repassaram as tarefas secundárias para empresas especializadas argumentando com isto, a melhoria dos processos produtivos e a eficiência administrativa e operacional. 

 

 

Foto Rafael Gofer

Escancarando desigualdades

Posição das capitais brasileiras no Mapa da Desigualdade do ICS

   

 

O Instituto Cidades Sustentáveis (ICS) disponibilizou, no primeiro semestre de 2024, o Mapa da Desigualdade entre as Capitais Brasileiras. Os indicadores do estudo são baseados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU

    Vale destacar que o Brasil, no governo atual, se comprometeu em combater firmemente as desigualdades até o ano de 2030. Em março de 2024, quando foi apresentado o mapa, Jorge Abrahão, coordenador geral do ICS à época, afirmou que os dados mostram uma espécie de Tratado de Tordesilhas na horizontal entre Norte, Nordeste e o restante do país. 

Adentrando estes dados para além da posição geral do quadro, entre os 40 indicadores avaliados da capital de Goiás quanto à educação de qualidade, a cidade ocupa a 14ª posição no percentual de pessoas sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto e equivalente. Sem índice de crescimento ou melhoria nesse sentido se comparado com o censo anterior do  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

    Em números reais 21 de cada 100 pessoas de quase 1 milhão e 500 mil habitantes na cidade não chegam ao ensino médio. São 318.349 mil pessoas, o equivalente a aproximadamente toda a população de outra capital, Vitória, no Espírito Santo. Com 322.869 habitantes, segundo dados do último censo do IBGE.

Censo IBGE 2022
"Há uma correlação entre problemas estruturais, como a pobreza, com violência, saneamento e saúde, que estão todas interligadas. E esses fatores, por sua vez, influenciam na capacidade produtiva da população, que consequentemente retroalimenta as desigualdades".
Jorge Abrahão
Coordenador geral do ICS
Imagem gerada por IA ( Inteligência Artificial ) pelo autor

A igualdade de gênero na capital se manteve também estável no último governo, ocupando atualmente a 22ª posição das 27 capitais do País. A desigualdade de salário por sexo (salário de mulheres / salário de homens) reflete a realidade do Brasil e não uma exclusividade de Goiânia. Segundo levantamento feito no primeiro semestre de 2024 pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego (MTE), disponibilizados no 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, as trabalhadoras mulheres ganham 19,4% a menos que os trabalhadores homens no Brasil. O relatório mostra que segundo o recorte de raça/cor, as mulheres negras, além de serem minoria no mercado de trabalho (com 2.987 vínculos que correspondem a 16,9% do total das 49.587 empresas do relatório), são também as que enfrentam maior desigualdade de renda.


Em 1960 os 5% dos brasileiros mais ricos concentravam 28,3% da renda do País. O censo demográfico de 2022, analisando os impostos no Brasil, traz a concentração de 23,7% da renda nas mãos, bolsos e bancos de apenas 1% da população. Em 1960, a população do País era de pouco mais de 70 milhões de habitantes, enquanto no início da atual década são mais de 203 milhões de pessoas no país, conforme aponta o IBGE.

Da População
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Pessoas
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Concentração das riquezas do país​
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O mel da rainha é para a própria colmeia

    Estado é um conceito geográfico. É feito por um emaranhado de instituições políticas e jurídicas. O Estado, portanto, em teoria, está presente em macro espaços e micro espaços ao longo do território brasileiro. Na capital de Goiás, no planalto central do país, e abraçado pelo cerrado está um braço do Estado: a Universidade Federal de Goiás (UFG).

A UFG existe oficialmente como Instituição Pública de Ensino Superior Federal – um braço do Estado – através de decreto (ato administrativo), desde o começo da década de 60, ano em que se instaurou posteriormente a ditadura no país. A Universidade está presente em três cidades goianas com 104 cursos de graduação, e mais de 22 mil alunos matriculados segundo o site institucional e no último ano foi classificada como a 16ª melhor universidade do Brasil pelo Ranking Xangai 2023.

O símbolo – ou marca oficial – da UFG é uma referência ao favo de mel. O manual de marcas da instituição diz que este, reflete e representa a realidade da UFG como uma colmeia abstrata, formada pela conjunção de seis unidades hexagonais diferentes que apontam para símbolos de várias áreas da ciência. No campus Samambaia em Goiânia está instalado desde 2011 o parque tecnológico que em 2022  recebeu 17 milhões de reais para ampliação de suas instalações.

CERCOMP/UFG

    O campus samambaia foi inaugurado em 1973 na zona norte de Goiânia com o Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL), Instituto de Matemática e Física (IMF), Instituto de Química e Geociências (IQG) e Instituto de Ciências Biológicas (ICB). 

      O campus 2 popularmente chamado de Samambaia é relativamente novo, no entanto, a UFG hoje é uma senhora de mais de 60 anos de idade. A luta de classes segue como dinâmica central da sociedade capitalista atual. Onde a acumulação de riqueza nas mãos de uma elite é sustentada pela exploração do trabalho e consequentemente do trabalhador. 

 A UFG é feita por trabalhadores.  De regimes trabalhistas diferentes no entanto. Em remuneração, acesso educacional e benefícios. O que diferencia muitas vezes tais realidades financeiras – em seu lugar de dignidade e autonomia financeira – ocupantes do mesmo espaço geográfico (e a UFG não é diferente)  é justamente o acesso

     O acesso ás chamadas OPORTUNIDADES EDUCACIONAIS (ver áudio), a igualdade de tratamento para pessoas desiguais, e a invisibilidade de minorias historicamente desfavorecidas nas políticas públicas são exemplos que ilustram inclusive tipos de trabalhadores.  

Projeto arquitetônico campus Samambaia UFG de 1970 – CERCOMP/UFG

Professores, técnicos administrativos e trabalhadores terceirizados não lutam entre si. São semelhantes na importância de suas atividades laborais para o funcionamento da Universidade Federal de Goiás.  Porém enquanto o favo de mel  – abstrato e contemporâneo –  símbolo da UFG, contempla várias ciências (com investimentos em pessoal , infraestrutura e equipamentos) e por consequência seu quadro de pessoal efetivo ( técnicos e professores por exemplo),  trabalhadores terceirizados já furtados seja qual for a razão do acesso a sala de aula, são invisíveis para a instituição pública enquanto pessoas futuras possíveis de ocupar outros espaços na Universidade. Os professores não tem enriquecimento ilícito assim como os terceirizados que trabalham ali, também não.

De concreto e tijolos terracota é composta a UFG. Com controle cada vez mais presente em cancelas e dos cadeados de suas portas. Seus corredores lembram um hospital antigo subterrâneo e mal iluminado. As salas do campus Samambaia têm portas quase sempre fechadas. E as janelas, além das grades enferrujadas, mal abrem. Os prédios das unidades são antigos como a ditadura, assim como os pisos. Se embaixo da escada da casa de alguns professores pode ter uma biblioteca, no campus Samambaia (na maioria das unidades observadas), embaixo da escada ao invés de livros está normalmente localizada a sala de “descanso” das terceirizadas da limpeza. 

Projeto arquitetônico campus Samambaia UFG de 1970 – CERCOMP/UFG

Educação ao alcance das mãos

    

    O acesso à educação pública e de qualidade está previsto na Constituição Federal de 1988 pós-ditadura no Brasil, mas, anterior a isto a nível global que incluem  – em teoria – o sul global, também consta em convenções e tratados internacionais . Como um direito humano na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

 

Quem sabe, quem vê e quem transforma realidades?

Não é unicamente a ausência do ensino e à qualificação, que não permitem que esta mesma parcela de pessoas acessem novos lugares e colocações profissionais. O conhecimento de livros nem sempre podem estar ao alcance das mãos de quem poderia facilitar transformações educacionais. 

   

     A teoria não pode ser negligenciada pelo estado ou pelo menos não deveria. A prática do poder público hoje ainda mantém de forma marginalizada boa parte de pessoas que têm seus direitos básicos negados. 

 No caso dos terceirizados as oportunidades educacionais, além da dignidade econômica  – conquistada com novas colocações profissionais por exemplo – podem significar ascensão social e sensação de pertencimento.

    

     No País onde mais da metade dos estados brasileiros têm rendimento abaixo da média nacional segundo dados mais recentes do IBGE, a formação escolar, profissionalizante, técnica e superior, pode ser um instrumento fundamental para esta inclusão de pessoas invisibilizadas.

A OCDE, que tem 36 países membros, entre eles o Brasil, afirma que as pessoas que por motivos diversos não acessam o ensino médio e superior ,  correm um risco considerável de resultados sociais e de mercado de trabalho ruins ao longo de suas vidas.

 

  Uma das características da terceirização é a baixa exigência de ensino para os cargos. Atualmente a empresa prestadora de serviços de limpeza para a UFG, a APC Facilities exige para o cargo de servente de limpeza o ensino fundamental.

Das 7 terceirizadas da limpeza ouvidas para a matéria, quatro tinham o ensino médio completo, sendo que uma tinha também um curso técnico. 

Áudio Depoimento de João Lúcio Mariano Cruz, Técnico em Assuntos Educacionais da UFG lotado na Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) e Doutor em comunicação falando sobre a terceirização e a relação da UFG com as terceirizadas 

 

    A UFG é um lugar político. A reitoria, assim como suas diretorias, ocupam e transitam por lugares políticos. Assim como a política está presente nas salas de aula e nos corredores da Instituição. Pensar políticas públicas educacionais – para toda a comunidade acadêmica – que incluam as terceirizadas da instituição, é reconhecer antes de tudo, que os muros da universidade para a chamada comunidade externa (conjunto de pessoas que não fazem parte da instituição de ensino superior mas que podem interagir com esta), são internos também, e desconsideram pelo menos uma centena de pessoas da empresa terceirizada: APC Facilities.   

    O Orçamento anual da UFG (ver abaixo) contempla os gastos com Pessoal (servidores concursados entre ativos, aposentados e pensionistas ) e os chamados Encargos sociais que comprometem boa parte do orçamento anual da Universidade.

Os encargos sociais para os servidores públicos  – entre técnicos, professoras e professores –  são os chamados valores adicionais, que são pagos mensalmente sobre os salários, não necessariamente na remuneração final mensal de cada servidor ou servidora. E, de modo geral incluem contribuições para a  Previdência Social e outros benefícios. São fixos e têm como objetivo assegurar proteção social aos funcionários, contribuindo para programas de benefícios e políticas públicas favoráveis ao trabalhador.

No começo deste ano de 2024, a UFG firmou convênio com o Sesc (veja a notícia aqui)uma das entidades que compõem o sistema S, oferecendo serviços de formação profissional, assistência social, cultura, saúde e lazer para trabalhadores de diferentes setores da economia brasileira.

Conforme o quadro abaixo ilustra são muitos os gastos da Universidade mas também é grande o quadro de profissionais da instituição. Este ano a universidade iniciou com déficit zero ou seja com possibilidades maiores de investimentos, como políticas públicas educacionais por exemplo ou planejamento de extensão que contemplem todas as pessoas que estão na Universidade.

SISTEMA S

 

Entre os encargos sociais existentes no país hoje, está o chamado sistema S que possibilita entre outras coisas, qualificação e capacitação. Formando profissionais e promovendo cultura, saúde, lazer e direitos para a população. É composto por nove entidades, cada uma voltada para um segmento específico Entre as quais: 

 

SESI

Serviço Social da Indústria

Atende trabalhadores da indústria com foco em educação, saúde, segurança no trabalho, cultura e qualidade de vida.

SENAC

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

Oferece cursos profissionalizantes para o setor do comércio de bens, serviços e turismo.

SENAI

Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

oferece cursos e capacitação profissional para a indústria.

SEBRAE

Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

Oferece suporte para empreendedores e microempresas, incluindo treinamentos, consultorias e orientações.

SESC

Serviço Social do Comércio

Proporciona atividades culturais, esportivas, de lazer, saúde e educação para funcionários do comércio de bens, serviços e turismo.

SESCOOP

Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo

Fornece educação e treinamento para cooperativas.

   Essas entidades recebem recursos financeiros da empresa (pública ou privada) que são destinados ao financiamento de programas, cursos, atividades e serviços voltados para o desenvolvimento profissional e social dos trabalhadores em seus respectivos setores. Estes benefícios são indiretos, repassados a programas que indiretamente  beneficiam os funcionários.

    Um técnico administrativo em educação da UFG tem determinado percentual de vagas, caso tenha interesse em se qualificar ainda mais na pós-graduação (mestrado e doutorado) na Instituição. Existe também, em nível nacional, o encargo social chamado salário-educação destinado ao financiamento de programas e projetos voltados à educação básica pública, investindo no desenvolvimento e na manutenção do ensino fundamental, por exemplo.

Outras despesas correntes que estão na conta do orçamento da UFG e são as primeiras a serem cortadas em época de contenção de gastos, contemplam o pagamento de assistências estudantis, água, luz, material de consumo e manutenção dos prédios.

O terceiro ponto que compõe o orçamento da universidade são os investimentos. Em equipamentos, infraestrutura e mobiliários. Na UFG nenhum investimento, no entanto parece ter sido contemplado, desde a criação do Campus Samambaia da UFG,  nas salas de descanso das terceirizadas que, quando não está localizada embaixo da escada, está próxima de lugares com risco de alta voltagem.

    

    A UFG, enquanto meca do ensino, ao não garantir minimamente encargos sociais efetivos educacionais, enquanto políticas públicas possíveis com a extensão por exemplo, quando firmados estes contratos milionários. Contratos que na percepção das entrevistadas para esta matéria ( serventes de limpeza da UFG) só enriquece a empresa e mal remunera os empregados. O governo retém da empresa por meio de cada funcionário o chamado Salário Educação – contribuição social mensal para financiar a educação básica pública – e outros encargos, mas não garante oportunidades educacionais para quem produz com a força do trabalho este investimento. 

13.569,00 dólares por ano é o investimento do governo por aluno do ensino superior público em média no país segundo a OCDE. Quantos trabalhadores que contribuem para estes números acessam a universidade como estudantes e não como trabalhadores?

    As salas dos terceirizados da limpeza no Campus Samambaia, em sua maioria, estão embaixo das escadas. Salas ainda mais mal ventiladas, mal iluminadas e se for o caso de ter pouco mais de 1.60m de altura (a média nacional das mulheres) possivelmente mal adentrada com seus tetos de escada baixos e paredes mal acabadas.


Sonhos de flores frente os espinhos.

Casa limpa e arrumada
Marcus Cruz

A casa segue arrumada, toda sala aplumada
Nos armários não se tem poeira
Os vizinhos fofoqueiros foram pra feira
No ambiente familiar o trabalho continua
Natureza nua e crua, tantas aventuras
Ao abrir a janela, abraço o horizonte
Sonhos passageiros…
Volto a focar na limpeza
Tenho sede de algo que nem sei
Continuo arrumando e limpando
Na verdade, nunca parei
Os móveis vivem a sorrir
Meu trabalho parece não ter fim
Minha infância e adolescência serviram de limpeza
Correnteza que me faz navegar
Um dia pretendo descansar
Viver, sonhar, estudar
Quem sabe até, se der tempo, vou ter a sorte de amar
O dia a dia me consola
Abraço a solidão, nada mais me apavora
De vez em quando dou um pulo lá fora
Vejo a cara da sociedade
O sorriso amarelo da política
O despertar de uma crítica
Mas enfim…
Volto pra casa e lá vai a faxina
Faxino tudo com vontade, faxino versos e rimas
Essa arte me domina

Trabalhadoras da limpeza no campus samambaia - foto própria

    A característica competitiva do mercado de trabalho faz com que pessoas mais qualificadas profissionalmente e com maior nível de formação educacional, consigam ingressar em cargos e funções melhores remuneradas, o que garante maior poder de compra e lugar de dignidade.

Nesta lógica, os serviços que não exigem maiores níveis de formação educacional, são em geral ocupados por pessoas de baixa escolaridade, que além de serem mal remuneradas no país como mostrado antes, não têm acesso a alguns benefícios que poderiam garantir uma promoção profissional e social.

 

    Recentemente, duas das entrevistadas ( Leidjane e Shay*) terminaram o Ensino Médio, e uma terceira, a Renata ( nome fictício para resguardar a pessoa a pedido), é técnica em enfermagem formada em busca de uma oportunidade na sua área. Afirmar que a colocação profissional destas pessoas ( em especial as terceirizadas da UFG do campus Samambaia) é inconsequente e ingênuo.

    Afirmar que a colocação destas sete mulheres escutadas para a reportagem, é consequência única de características capitalistas contemporâneas, é desconsiderar fatores de gênero, oportunidades, invisibilidade, e conhecimento. Oportunidades que permitam que elas alcancem o conhecimento, mas também oportunidades de “subir de vida” – como dito popularmente – por meio dos conhecimentos que por conta própria foram buscar.

Leidjane e Shay* são nordestinas e mães. Que buscaram em Goiânia um lugar de oportunidades melhores em relação a terra natal. Compartilham a vontade de uma vida melhor para ela e seus filhos, mas tem sonhos diferentes. Enquanto uma sonha com algo de valor inestimável para a outra seu sonho tem cifrões que condizem com o modelo capitalista atual em que, estamos todos inseridos.

SHAY*(nome fictício a pedido da entrevistada)

 

 

               LEUDJANE DA CONCEIÇÃO SILVA

A UFG, precisa urgentemente pensar formas e ações de criar pontes visíveis para estas pessoas terceirizadas e histórias, sonhos e vontades, para que estas e tantas mais possam futuramente ocupar outros espaços dentro dos muros da Instituição.

“A Liderança era uma mãe e essa agora a gente fala que é um padrasto”
Leudjane se referindo a empresa terceirizada anterior

Paulo Freire na obra “ Extensão ou Comunicação?” defende a ideia de uma educação libertadora que informa mas também transforma a realidade social dos indivíduos.E que a relação entre educador e educando deve ser horizontal e não vertical.

A palavra labor tem origem no latim e entre outros significados é também tarefa árdua. Labuta para o etimologista brasileiro Antônio Geraldo da Cunha, no dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, é a junção de “labor” e “luta”. 

Labor é necessidade, luta diária, é biológico. O trabalho é o mundano, o artificial que valoriza principalmente os bens materiais aos humanos. Já a ação, para Hanna Arendt, é o plural, o coletivo e o político.

A Universidade, pública e gratuita no seu acesso “democrático” tem além do papel de formação, a promoção de mudanças sociais, e incluir estas trabalhadoras com sonhos, nomes e potências nesta visão alinhada com o direito à educação é urgente.

Entrevista com a coordenadora do projeto de extensão da UFG Educação Digital

P: 1.Qual a sua formação, sua relação com a UFG e com o projeto Educação Digital?

Sou técnica em assuntos educacionais da UFG lotada atualmente no instituto de informática no campus Samambaia da UFG e a minha formação é em letras com mestrado em linguística. Estou cursando doutorado em linguística, e quanto ao meu envolvimento com a educação digital, é que fui eu quem criei o projeto. 

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Raimunda Delfino dos Santos Aguiar
Técnica em Assuntos Educacionais na UFG lotada no INF/UFG e doutoranda em linguística

P: 2. O projeto começa na UFG ou antes de você começar a trabalhar na Universidade?

Eu era lotada no campus da UFG da cidade de Goiás e lá eu desenvolvi um projeto de língua portuguesa (redação, literatura e línguas estrangeiras) junto com o professor de Tiago Santana, e apresentei para o reitor da época Professor Edward que se interessou pelo projeto e perguntou se eu tinha interesse em vir pra Goiânia pela cidade ter mais possibilidades para o projeto. Em Goiânia por afinidade com a diretora da unidade na época fui lotada como secretária de infraestrutura na faculdade de educação e levei a ideia do projeto comigo. Lá como o que fazia não tinha tanto a ver com minha área fui aprendendo o que que era que eu tinha que fazer e nisso eu comecei a ter um contato muito grande com o pessoal da equipe de limpeza e da vigilância, né? Então eu pensei no projeto que eu tinha criado para comunidade no campus da cidade de Goiás, né? E em como eu já tinha trazido comigo essa ideia da Universidade Federal do Acre onde eu atuei como professora de linguística do quadro do programa de interiorização onde criei um projeto e uma técnica que já tinha trazido de quando atuei com professora de escola em Aparecida de Goiânia de leitura e interpretação de texto mas para professores do magistério no Acre.

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P: 3. O projeto começou então na Faculdade de Educação no campus Universitário em Goiânia?

Na faculdade de educação em Goiânia me sentia um peixe fora da água e quando descobri que uma das servidoras de lá da limpeza não sabia ler. Aquilo me tocou muito eu fiquei bem assim sabe impactada. E aí conversei com uma amiga minha que trabalhava lá na época, ela era um docente da Faculdade de Educação. Hoje ela está em Roraima é a professora Mariana Cunha e é a minha coorientadora de doutorado, aí eu contei pra ela e ela falou assim, que precisávamos fazer alguma coisa, que a gente não pode permitir que num espaço de saber de excelência neh, existiam colegas nossos nessas condições. Aí eu fiz uma pesquisa de campo pra saber quantas pessoas da limpeza não sabiam ler e escrever, redigi o projeto e apresentei para a diretora da faculdade de educação. Algumas questões com o horário e a falta de poio político fizeram com que o projeto ficasse engavetado por um tempo.

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P:4. Quando o projeto saiu da gaveta?

Bem, isoladamente eu dava uma aula aqui outra ali, mas quando eu vim para o Instituto de informática eu pensei em formas de fazer acontecer soube que teria um laboratório disponível, eu peguei todo esse contexto que eu te falei, juntei em um projeto e acrescentei o letramento digital para aproveitar ali os alunos que eram são da computação. Apresentei parte da proposta ao diretor da unidade por que ainda não tinha toda ela desenhada desse novo formato e aí foi isso. Aí, eu implementei o projeto em 2017, foi a primeira turma já completou sete anos e ele continua funcionando.

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P:5. Quem compõe a equipe do projeto?

Antes da pandemia éramos uma equipe composta por 22 pessoas entre alunos de graduação e do mestrado. Tem alunos daqui do INF, inclusive uma que segue após concluir a graduação que entrou como monitora concluiu a graduação em aí ficou um tempo sem conexão com a universidade entrou para o mestrado e continuou fazendo parte. É uma equipe assim multidisciplinar, tem aluno de Psicologia, de pedagogia, letras, mas a maioria é da Computação

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P:6. Existe um público alvo do projeto?

Principalmente a equipe de limpeza. Sempre foi e sempre será. Enquanto essas pessoas tiverem esse interesse serão o público alvo. A alma do Educação digital são as servidoras da limpeza.

Ela cresceu. Então hoje o educação digital, ele tem como público-alvo não só as servidoras da limpeza, mas um público que pediu para ser incluído.

Que são as pessoas 60+, cotistas, indígenas. O projeto nasceu  como extensão mas tornou-se um projeto de pesquisa.

Hoje no Educação Digital, constituiu-se um laboratório didático. Porque ele é um projeto de extensão,dali nasceu um projeto de pesquisa e dele tambem nasceu um programa de extensão com seis projetos ativos e 16 ações de extensão que funcionaram e somente agora mês passado que, eu tive que pela primeira vez não renovar porque há um impedimento legal por conta do meus afastamento pro doutorado.

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P:7. Quais são as frentes que o Educação Digital trabalha hoje em dia?

Dentro Educação Digital, tem rodas de conversa com psicólogos e psicanalistas, tem o espaço de meditação com uma professora do Rio Grande do sul, tem as monitorias de matemática e outras, tem a parte da escrita de produção de texto, inclusão digital.O projeto já nasceu grande.

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P:8. Você tem conhecimento de outras iniciativas como esta voltadas para as terceirizadas?

Que eu saiba não. O educação digital foi pioneiro. Lá na Faculdade de Educação existiu um projeto de alfabetização que seguia os propósitos pedagógicos do EJA que era coordenado pela professora Maria Margarida e pela Professora Maria Emília. Mas esses projetos eles deixaram de existir eu não sei como está hoje e esse sim era voltado para o pessoal terceirizado, mas assim hoje eu não tenho conhecimento de outro projeto.

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P:9. Ao que você associa poucas iniciativas como esta na UFG?

Olha eu acho assim, existe muito a questão política, aquela aquela briga das vaidades do Ego, eu sou Professor Doutor eu não vou permitir que um técnico faça porque esse serviço é meu só que assim eu sou Doutora então eu não vou me envolver com ações de extensão porque não pontua tanto então ou eu não vou desenvolver um projeto de tudo ... eu tô reproduzindo coisas que eu já escutei ao longo dessa minha trajetória assim são eu tenho quase 15 anos na UFG, né com técnica e eu escutei já de tudo até que nossa, para que isso tem tanto curso de informática, aí não precisa.

Mas assim dentro por incrível que pareça, esse apoio sempre existiu no Instituto de Informática e assim foi curioso, porque o vice diretor a época falou assim: gente é genial, eu não sei como que a gente nunca pensou nisso. Ai qual foi o argumento que eu já ouvi qé que eles falam assim que eles estão sempre ali no mundinho deles. No mundo deles não existem analfabetos, não existem analfabetos digitais, não existem pessoas que não sabem como sacar dinheiro no caixa eletrônico, né?

Então é uma questão de perspectiva. Eu mesma, como eu trabalhei muito de perto das meninas da limpeza, porque eu gerenciava a o trabalho delas eu mesma ironizava muito : nossa as pessoas faz mestrado, escreve dissertação para ver se o chão tá limpo.Eu satirizava bastante isso, eu estudei foucault que é minha base teórica pra contar quiboa no almoxarifado.Eu tenho um depoimento de uma ex aluna minha a Claudia que a gente apresentou um trabalho num colóquio duas vezes com essas mulheres apresentando protagonistas e ela falava que muitas vezes existe um preconceito que elas não são enxergadas, que são invisíveis.

Que não fala nem bom dia. Elas relatam isso e eu noto isso. Por outro lado existe uma cultura de no final de ano fazer a cesta de natal e distribuir pro pessoal da limpeza ... Eu sempre achei isso contraditorio. Eu pensava assim: a fome delas não é de comida é de saber. Minha grande inquietação foi pensar como em um espaço de excelência e de saber, como as pessoas que possibilitam que a gente realize as nossas pesquisas não sao enxergadas e contempladas e se sentem como intrusas naquele espaço?

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Albert Flores
CEO - Flores Group

    O artigo 9º do Código de Ética do Jornalista fala sobre o dever do Jornalista em que este, deverá no exercício de sua função divulgar todos os fatos que sejam de interesse público. O interesse público se difere do interesse do público por se tratar o primeiro de um macro lugar comum de interesse da sociedade e o segundo voltado a públicos micro espaciais distintos

     A UFG produz pesquisa de interesse público, e busca aproximar a comunidade externa para além de seus muros invisíveis para o que pode oferecer de oportunidades sejam estas de cursos, oficinas, e além disso, convida esta mesma comunidade para fazer parte do seu macro universo comunitário acadêmico de compartilhamento de conhecimentos. 

     A UFG, precisa urgentemente pensar formas e ações de criar pontes visíveis para estas pessoas terceirizadas histórias, sonhos e vontades, para que tantas terceirizadas e outras mais  tenham possibilidades reais de ocupar futuramente ocupar outros espaços na Universidade.

    Para isso a Universidade e seus representantes precisam querer falar sobre isto. Se o primeiro passo para a cura  – e nesse caso a melhoria -, de determinados tratamentos para doenças, é admitir que se está doente, não deveria ser tão difícil encontrar pessoas e acessar os dados públicos não tão acessíveis da Instituição de Ensino em questão, para falar e entender mais sobre os terceirizados.

     Além dos dados públicos sobre os terceirizados serem escassos e ter sido necessário solicitação junto ao FALA BR. Após inúmeras tentativas por diversos meios, ninguém da gestão atual quis colaborar com a matéria. O mesmo aconteceu com a empresa APC Facilities. Os dados e os gráficos podem trazer números que ilustram o cenário mas falham quando se trata de perspectivas.

A filha de Raimunda passou na OAB e esta prestes a concluir o curso de Direito. No auge dos seus 47 anos Raimunda não se contém de tamanha felicidade.

Se sente realizada nas conquistas dos filhos. Trabalhou por mais de 10 anos como costureira antes de assinar a carteira na limpeza da UFG.

Entrou na pandemia e salvou vidas. Costurando capotes na Faculdade de artes visuais para o hospital das Clínicas no auge da pandemia.

Se sentiu essencial. Para ela o melhor momento desde que entrou para trabalhar na Universidade foi este. Foram outros momentos bons também. Goiânia tratou bem a ela e sua família desde que veio de sua terra natal no Maranhão para trabalhar como doméstica aos 19 anos.

Mas ela tem sonhos. Quer terminar o ensino médio e diz que a UFG podia ter um EJA com tantos profesores ... 

Diz que sua filha entrou na Universidade depois de fazer o cursinho preparatório da Universidade que ela trabalha hoje.

Seus sonhos não são físicos como uma casa. Porque está conquistou junto do seu marido que é vigilante na UFG.

É distante o sonho, diz. Se anima quando descobre que o Enem tem planos de ser utilizado como possibilidade de conclusão do ensino médio no próximo ano.

Raimunda quer ser psicóloga. Diz que sempre achou lindo a psicologia.

Wuilma quando chega em Goiás após breve passagem por Piauí e distante de sua terra natal no interior do Maranhão trabalhando como babá e diarista, no começo não se acostumava quando chegou para trabalhar na limpeza no centro de aulas da UFG quando ouvia distante: tia.

Respondia: Não sou sua tia não, nem conheço sua mãe.

Hoje, três anos depois, com um filho na segunda infância e grávida do segundo menino, diz ter se acostumado e leva na brincadeira, inclusive dando bronca pra alunas e alunos calouros que chegam até ela na UFG, quando afirma que a tia da limpeza não faz isso ou aquilo.

    Gilva tem os olhos claros por trás dos seus óculos e cabelos loiros. Os brincos, pulseiras e relógio brilhantes e a maquiagem que faz questão de enfatizar com batom discreto, expressam contrastam com o uniforme azul escuro sem luz da empresa APC Facilities e com a luz artificial do prédio da Universidade Pública que a luz natural parece não adentrar. Gilva recém chegada na famosa idade dos “ enta”  quando foi apresentada a proposta da entrevista imprimia certeza com a leveza de um sorriso ao exprimir que não faria pois se considerava tímida. Dizia-se tímida quando fiz a proposta em nosso primeiro encontro na primavera ardente de seca estridente na unidade em que trabalhava.

Primeiro encontro este em que sua colega de prédio e profissão Wilma que estava ao lado no mesmo tom de roupa identificada, sinalizou com a cabeça seguida de um sorriso que Gilva não era tímida tanto assim. No encontro seguinte a este com a GIL (apelido que me permitiu apresentá-la) a encontro no estúdio de TV da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG) no horário marcado às 09:30 da manhã de uma quinta-feira de meio de Semestre de greve na Instituição de ensino, enquanto a mesma se preparava para varrer o chão.

Ainda que o encontro marcado não fosse ali, considerando o horário e após meu bom dia habitual, pedi licença para sentar e apresentar o projeto ao qual convidara a mesma para contribuir um pouco com sua história. Após sinal verde da Gil sentei em uma das cadeiras e quase de imediato ela compartilhou em palavras o incomodo do calor naquele momento quase ao mesmo tempo em que  elogiava o responsável da FIC ( nas palavras dela) pelo setor que ela estava. Por ele consentir que GIL naquele momento apenas varresse o estúdio sem necessidade do pano e de uma limpeza mais aprofundada por assim dizer. Perguntei porque a mesma não ligava o ar condicionado para aquietar um tanto a sensação de calor e fui surpreendido mas não tanto com a resposta : vai que estraga! 

Fragmentos de laboratório

 No campus Samambaia cercado de mata e curvadas embaixo da escada de um desses prédios com laboratórios e vidraçaria estão Renata e Vanessa. Entre histórias entrelaçadas e diferentes trajetórias e gerações, estas mulheres dividem mais que um espaço de trabalho. Tão semelhantes no cansaço e sensação de descaso, enquanto a milhas dali se discute em Brasília a redução da jornada de trabalho, seus dias são de re(existência) local. Entre vidros quebrados de um lado, e frascos e poeira de 6 décadas em outro canto com tijolos acumulado, compartilham da rotina de trabalho sem insalubridade enquanto respiram ares e pólens de destroços do ar e para a alma.

Entre idas e vindas, hora aqui e outra ali, a nostalgia de prédios na Universidade tão menos difíceis no existir foge a boca de Renata* ao lembrar do rodízio entre prédios - brinde da empresa que trabalham – que a colocou ali. Raízes não se criam quando mal olham para mim emenda Wanessa** compartilhando as inquietudes da colega de uniforme e de labuta.

Histórias e sonhos que não cessam aí. Sentadas na única possibilidade do submundo da escada da coluna ergonomicamente persistir, entre queixas e o fio da fé na mudança por um sopro não romper, em seu descanso compartilham histórias do chão quebrado de anos a fio e dos vidros aniversariantes estilhaçados dali. Do chão que pisam, não tem lembrança do povo da bala da empresa de Brasília, gastarem uma única vez a sola e o cetim.

Do mini quarto de descanso, ou despejo, o ventilador certa vez foi levado. Sobrou a janela entreaberta quebrada e o gosto do descaso. O frigobar por lutas anteriores a elas inclusive conquistado, um belo dia levaram.  Assim, no calor sufocante, de saúde em xeque e baixo valor do cheque surge uma Infecção urinária, falas de melhorias que batem na porta e a luta por recuperar o frigobar com a administração do prédio. Pelo menos o frigobar.

* Nome fictício a pedido

** Idem

Gilva e tantas mais

    Ouvir de colegas no passar dos anos da formação acadêmica por algumas tantas vezes na UFG  ”chama a tia da limpeza, pede uma vassoura lá na sala das tias da limpeza, ou mesmo vê lá com a tia da limpeza” e pensar a dualidade de sentidos da expressão nesse caso da palavra TIA – tanto no afeto de alguém da família como na invisibilidade do nome  – e relacionar com esta fala da GIL, do ar-condicionado, ilustra um pouco como a instituição de ensino público superior objeto desta reportagem, tem percebido e olhado para estas pessoas e como estas pessoas como a GIL, se sentem nessa mesma instituição.

  Pensar e ouvir estas oito mulheres terceirizadas da empresa APC FACILITIES lotadas na UFG, especificamente em prédios distintos do campus Samambaia em Goiânia, acerca de suas histórias, presente, e pretensões futuras no atravessamento da Universidade para com elas no caráter educacional. 

Foto autoria própria

 

 

  

   Percebendo suas (re)existências enquanto comunidade interna e ao mesmo tempo externa da universidade. 

Gil e muitas outras tem que mudar de unidade a cada 6 meses no campus samambaia. Ordens da empresa. Justificada para Gil e suas colegas como  forma, tanto de evitar que terceirizados fiquem “ mal acostumados” e criem vínculos, como também para evitar que se sintam donos em alguma instância do lugar onde estão lotados.

Descanso dos ” donos”

  As Unidades Acadêmicas do campus Samambaia da UFG em sua maioria não comportam os terceirizados. Para as terceirizadas, a atual empresa de limpeza não oferece condições de continuidade frente às demandas das mesmas, e o quadro de pessoal está reduzido, além das salas de descanso não suportarem as duas pessoas que, em média, são designadas para cada unidade.

SERVIÇO

Segundo a  Norma Regulamentadora 24 (NR-24) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o empregador deve proporcionar ao trabalhador um local adequado para descanso e refeição. A NR-24 prevê ainda que todos os ambientes previstos e descritos na norma devem ser construídos de acordo com o código de obras local, devendo obrigatoriamente:

  1. a) ter cobertura adequada e resistente, que proteja contra intempéries;
  2. b) ter paredes construídas de material resistente;
  3. c) ter pisos de material compatível com o uso e a circulação de pessoas;
  4. d) possuir iluminação que proporcione segurança contra acidentes.

E que na ausência de código de obra local, deve ser garantido pé direito mínimo de 2m50cm (dois metros e cinquenta centímetros), exceto nos quartos de dormitórios com beliche, cuja medida mínima será de três metros.

 

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Estas terceirizadas da limpeza são mais. São mulheres na grande maioria. São mães, mas também tias. Tem histórias e nomes. Sonhos de flores frente aos espinhos. São mais de 100. De Maria Paz a Maria Socorro. Tem Ana que é Amelia e algumas que são Franciscas. Tem juventude mas também sabedoria. Muitas e tantas. O hoje pode sim definir o amanhã. Se oportunidades educacionais atravessarem a todas e todos que a frequentam e estão na universidade, com políticas públicas que inovariam as relações entre terceirizados e instituições públicas e fazendo uso do que é garantido por lei pela empresa e também por uma extensão que inclua efetivamente as e os terceirizados.